• 27 outubro, 2020

Tabagismo reduz tempo de vida, mas danos são revertidos ao parar de fumar

Usado pelos índios americanos, o tabaco foi levado para a Europa pelas mãos de Cristóvão Colombo. A nova planta logo receberia seu nome botânico —Nicotiana tabacum—, uma homenagem ao aristocrata francês Jean Nicot, que presenteou a rainha da França com suas folhas.

No início do século 20, surgiria a suspeita da relação entre os já populares cigarros e os tumores de boca e garganta. Em 1964, a má fama se consolidou. Além do câncer, eles eram a causa de inúmeras doenças.

De lá para cá, o uso do tabaco se tornou epidêmico e hoje ele é considerado um dos maiores problemas de saúde pública em todo o mundo. Dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) indicam que, todos os anos, 8 milhões de pessoas morrem em decorrência do tabagismo, e a maioria de seus usuários vive em países de baixa e média renda, o que faz que o peso das enfermidades decorrentes seja ainda maior.

No Brasil, 428 pessoas morrem diariamente em razão da dependência à nicotina. O câncer, as doenças cardíacas e a DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica) estão na lista dos males mais comuns entre esses indivíduos.

A boa notícia é que sempre é tempo de parar de fumar e melhorar a qualidade de vida. E nem é preciso fazer isso contando apenas com a sua boa vontade. O Ministério da Saúde possui um Programa Nacional de Controle do Tabagismo, e oferece tratamento gratuito àqueles que queiram parar de fumar por meio de suas secretarias estaduais de saúde. Há ainda alguns programas online, facilmente acessíveis, e os oferecidos por alguns hospitais e convênios da rede particular.

Entenda o que é tabagismo

Trata-se de uma doença crônica gerada pela dependência à nicotina, uma substância que é naturalmente encontrada nas folhas do tabaco e está presente em vários de seus derivados como o cigarro, charuto, cigarro de palha, narguilé, cachimbo, rapé, cigarrilha, fumo de rolo (tabaco mascado), entre outros.

Por que as pessoas fumam?

A comunidade científica já declarou que apreciar o tabaco, apesar do conhecimento de seus efeitos negativos para a saúde, desafia explicações racionais. Apesar disso, a literatura médica sugere que vários fatores influenciam o início e a manutenção do hábito de fumar:

Início

  • Genética
  • Vida social
  • Ter pais fumantes
  • Baixa renda
  • Tendência a ter problemas de saúde mental
  • Impulsividade

Manutenção

  • Círculo social de fumantes
  • Baixa orientação educacional
  • Pouco suporte parental
  • Uso de álcool
  • Baixo status social

Para 50% dos fumantes, a razão para eles fumarem é o alívio do estresse e o prazer. Aumento do foco, controle do peso e socialização são outras causas relatadas por eles.

Saiba como a dependência se instala

O cigarro possui vários compostos, mas a nicotina é o principal deles. Considerada uma droga devido às suas propriedades psicoativas, ela promove alterações no SNC (Sistema Nervoso Central), o que leva a alterações emocionais e comportamentais.

Dada essa característica, a substância gera dependência: aos poucos a pessoa torna-se tolerante, apresenta sintomas de abstinência e tem comportamentos compulsivos de consumo. É assim que a necessidade de fumar passa a ser física e também psicológica.

Quem é mais suscetível?

Apesar das várias campanhas antitabaco promovidas pelos órgãos de saúde de todo o mundo, o número de fumantes tem crescido nos países em desenvolvimento. Os homens representam o grupo com mais consumidores.

Dados do Vigitel 2019 (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico) confirmam: entre os fumantes com mais de 18 anos, no Brasil, o percentual de homens é de 12,3%, enquanto as mulheres são 7,7%.

Embora sejam elas as que mais procuram por programas de cessação, o grupo feminino é o que tem maior dificuldade de parar de fumar. O relato é da psicóloga Regina Celina da Cruz, ex-pesquisadora do Projeto de Pesquisa Rede Paranaense para o Controle do Tabaco em Mulheres, e professora do curso de psicologia da PUC-PR.

“A razão para isso é que a dependência psicológica é mais forte entre as mulheres. O cigarro assume o papel de um companheiro, de algo que contribui para reduzir a ansiedade, e ainda é fonte de bem-estar”, explica a especialista.

Entre os jovens, a idade média de experimentação do tabaco é 16 anos. Entre os 25 e 44 anos ocorrerá o maior pico de consumo entre os adultos.

Conheça os efeitos do tabaco

O tabagismo é considerado a maior causa isolada de doenças graves. Os mecanismos por trás dessa relação ainda precisam ser melhor explicados, mas as evidências científicas disponíveis até o momento mostram que os tabagistas são expostos a mais de 4.000 substâncias tóxicas todos os dias, e 60 delas são cancerígenas.

Confira as principais enfermidades e condições relacionadas ao tabagismo:

  • Doenças cardiovasculares: infarto, angina, hipertensão arterial, aneurisma arterial, trombose, AVC (Acidente Vascular Cerebral)
  • Câncer: os mais comuns são o de pulmão, boca, laringe, faringe, esôfago, estômago, fígado, rim, pâncreas, bexiga, colo do útero, leucemia, mama
  • Doenças respiratórias: DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica ou enfisema pulmonar), bronquite crônica, pneumonia, tuberculose)
  • Infertilidade (homens e mulheres)
  • Impotência sexual
  • Menopausa precoce
  • Osteoporose
  • Catarata
  • Degeneração Macular
  • Redução da expectativa de vida (a média é de 10 anos a menos)
  • Doenças odontológicas (especialmente gengivite e periodontite)

Efeitos para além do fumante

Todas as substâncias tóxicas contidas na fumaça do cigarro prejudicam não só o tabagista como as pessoas à sua volta, principalmente quando elas compartilham ambientes fechados. Trata-se do tabagismo passivo.

O efeito dessa exposição continuada é o aparecimento de quadros alérgicos como rinite, conjuntivite e sinusite. Infarto, AVC, enfisema pulmonar e câncer (pulmão e de mama) são outras possíveis consequências.

Bebês e crianças são os mais vulneráveis neste grupo. Para eles, há aumento do risco para doenças como pneumonia, bronquite aguda, bronquiolite, broncopneumonia, infecção no ouvido e crises de asma, além de meningite.

A melhor forma de prevenir esses riscos é parar de fumar. Enquanto isso não acontece, coloque em prática as seguintes medidas para proteger as pessoas próximas:

  • Fume somente fora de casa
  • Peça às pessoas que visitam sua casa para fumarem do lado de fora
  • Evite fumar no carro ou permitir que outra pessoa o faça

E lembre: abrir a janela para fumar ou escolher apenas um ambiente da casa para esse fim não resolve o tabagismo passivo. A fumaça pode permanecer no ambiente de 2 a 3 horas, mesmo quando há boa circulação de ar, e ainda pode avançar para outros cômodos.

Quando é hora de procurar ajuda

O ideal seria buscar orientação especializada a partir do momento que se percebe os danos do consumo do tabaco e há vontade de cessar esse hábito. Contudo, a queixa mais comum do fumante, que já apresenta sintomas da maioria das doenças relacionadas ao cigarro, é a dispneia, ou seja, a falta de ar.

Ela pode começar como uma leve intolerância ao esforço, como subir escadas ou praticar uma atividade física. A falta de ar pode ser tão intensa, que a pessoa, pouco a pouco, vai deixando de fazer as atividades cotidianas, até que o incômodo se dá mesmo em repouso. A tosse crônica é outro sintoma frequente, com ou sem secreção.

“Pela manhã ela é mais forte, com secreção, depois aparece em alguns momentos do dia. O fato é que, em 70% dos casos, esse sintoma é desprezado e interpretado como consequência natural do cigarro —é a tosse de fumante”, fala Eric Grieger Banholzer, pneumologista, intensivista da UTI do Hospital de Clínicas da UFPR e professor do curso de medicina da PUC-PR.

“Só quando o padrão da tosse se modifica, atrapalha a vida social e profissional, é que a pessoa vai ao médico. Mas deveria tê-lo feito muito antes”, adverte o médico.

O especialista indicado para avaliar esses casos é o pneumologista, mas o médico de família também estará apto a atendê-lo e investigar a causa desses sintomas.

O que esperar da consulta

O médico irá levantar seu histórico de saúde e fará um exame físico pormenorizado. Em geral, faz-se um cálculo da carga tabágica, isto é, a quantidade de maços fumados e os anos de tabagismo são contabilizados.

Essa estratégia ajuda o especialista a avaliar a possível presença de doenças relacionadas, bem como a gravidade do quadro.

O médico também examinará sua boca para avaliar as condições locais, inclusive observar a perda de dentes. Além disso, ele auscultará pulmões e coração, observará as condições da sua pele, fará a aferição da pressão arterial, examinará a frequência respiratória e cardíaca e, muitas vezes, verificará o nível de oxigênio do seu sangue (saturação periférica de oxigênio).

Exames laboratoriais serão solicitados para avaliação das funções renais e hepática, do perfil de coagulação, além de hemograma, eletrocardiograma, e exame de urina de 24 horas, bem como radiografia de tórax. Uma tomografia de baixa resolução pode ser ainda solicitada. Todos esses testes darão uma visão parcial do estado de saúde do tabagista e, eventualmente, poderão ser aprofundados, a depender dos resultados.

Outro exame fundamental é a espirometria. Simples e barato, ele permite ao médico identificar doenças de via área, principalmente a DPOC.

Saiba como é feito o tratamento

Os especialistas consultados para essa reportagem são unânimes: parar de fumar é a primeira estratégia terapêutica. Contudo, eles afirmam que, para a maioria dos fumantes, essa medida requer determinação. Isso significa que não adianta procurar ajuda só para satisfazer o pedido de familiares e conhecidos. Você tem de encontrar um sentido para começar essa empreitada.

As melhores práticas nesse sentido sugerem a combinação de intervenções comportamentais e medicamentosas, que se mostram eficazes não só no processo de cessação do tabagismo, mas também na redução dos sintomas da síndrome de abstinência.

Os fármacos utilizados para esse fim dependerão do grau de dependência (leve, moderado, intenso, muito intenso). Nos casos leves a moderados, a chamada TRN (Terapia de Reposição de Nicotina), pode ser útil. As apresentações disponíveis são os adesivos transdérmicos e goma de mascar que ajudam, principalmente, nos momentos da fissura.

Quando a dependência é maior, a TRN é associada a outros medicamentos: bupropiona ou vareniclina. Essas medicações garantem uma sensação de bem-estar enquanto o paciente avança no processo de cessação.

Doenças avançadas

Quando há diagnóstico de comprometimento cardiovascular, DPOC ou câncer de pulmão, o tratamento também começa com a cessação do tabagismo.

Na DPOC, a terapia pode ser farmacológica e não-farmacológica. O médico tem à sua disposição vários tipos de medicações, como os broncodilatadores, corticoides e potentes anti-inflamatórios. Além disso, há indicação de vacinas (influenza, pneumonia), reabilitação pulmonar e prática de atividade física.

“Cerca de 90% dos pacientes com câncer de pulmão são fumantes. Os demais 10% não. Para estes, a chance de sucesso do tratamento é maior. Para os primeiros, a alternativa é quase sempre a quimioterapia e a radioterapia, ou só quimioterapia”, fala o cirurgião oncológico Vinícius Basso Petri, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Positivo e médico do corpo clínico do Hospital Erasto Gaetner.

A cirurgia nem sempre é uma opção dado o comprometimento do pulmão pela DPOC. A imunoterapia é outra possibilidade terapêutica, mas só nos casos em que haja metástase.

Intervenções comportamentais

Apoio psicológico profissional ajuda a reduzir as crises de abstinência. A estratégia mais usada é terapia cognitivo-comportamental, que promove o desenvolvimento de habilidades de enfrentamento como a automonitoração, o controle de estímulos, o uso de técnicas de relaxamento, entre outras práticas.

Tais encontros podem ser em grupo ou individuais, e o objetivo é auxiliar o tabagista na mudança do estilo de vida, rompendo o ciclo vicioso.

Como o corpo reage nos primeiros dias da cessação

Dados do Inca (Instituto Nacional do Câncer) mostram que a nicotina tem o mesmo efeito da cocaína, da heroína e do álcool no SNC. A única diferença é que ela precisa de 7 a 19 segundos para chegar ao cérebro.

Ao parar de fumar, as horas que se seguem são desafiadoras, e você pode ter sintomas que caracterizam a Síndrome de Abstinência da Nicotina, cuja previsão é que estejam presentes por até 4 semanas. Saiba identificá-los:

  • Dor de cabeça
  • Tontura
  • Irritabilidade
  • Agressividade
  • Alteração do sono
  • Dificuldade para concentrar-se
  • Tosse
  • Indisposição gástrica

Outros sintomas possíveis são:

  • Aumento do apetite
  • Constipação
  • Úlceras na boca
  • Tosse
  • Aumento de peso

Entre todos, o mais difícil de lidar é a chamada fissura —aquela vontade intensa de fumar. Na maioria das vezes ela tem duração de 5 minutos, mas pode demorar mais para desaparecer em comparação aos demais sintomas. Aos poucos, sua intensidade diminui e os episódios vão ficando cada vez mais espaçados.

E se eu tiver uma recaída?

Ela é conceituada como o retorno ao consumo de cigarros depois de parar de fumar. Como essa prática é um comportamento adquirido ao longo do tempo, ele gera muitas associações na vida cotidiana [como tomar um café e fumar, por exemplo]. Ao repetir essas práticas, a vontade de fumar aparece e a recaída acontece. Essa é a razão pela qual o suporte psicológico é desejável, porque ele ajuda a obter repertório para empreender a mudança que se deseja.

Só para você ter uma ideia, os cientistas já observaram que cerca de 5% das pessoas que tentam parar de fumar sozinhas têm sucesso ao longo de 6 meses. Entre elas, a chance de recaída é de 50% nos anos que se seguem. Esses dados foram publicados pela revista Psychology & Health. Assim, uma recaída não deve ser encarada como fracasso.

“A cessação depende da passagem por várias etapas. E o processo psicológico pode ser longo. Por isso é importante ter acompanhamento especializado. Quando a pessoa procura ajuda, ela aumenta as chances de ter sucesso”, diz Ana Carla Efing, farmacêutica e doutora em saúde coletiva pela PUC-PR e docente da mesma instituição.

Vou engordar?

Talvez. Os quilos a mais podem não só adiar a cessação como levar a recaídas. E, de fato, o aumento de peso pode ocorrer no período de 6 meses, mas depois ele se estabiliza ou até volta ao estado anterior.

A razão para isso seria a melhora do paladar e do metabolismo. A mudança no apetite pode ser mais evidente durante 3 meses. O conselho dos médicos é manter uma dieta variada, consumindo frutas, legumes, verduras, além de evitar o consumo de alimentos ricos em gordura e açúcar. Além disso, eles sugerem manter uma boa hidratação e evitar tomar café e bebidas alcoólicas, que poderiam desencadear o desejo pelo tabaco.

Entenda a relação entre tabagismo e covid-19

O tabaco mantém o corpo em constante estado inflamatório, o que prejudica o sistema de defesa do corpo. A covid-19 é uma doença infecciosa que tem como alvo principal os pulmões. Fumar prejudica as funções pulmonares, dificultando as respostas orgânicas ao vírus.

Aliás, a SBPT (Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia), em nota assinada em conjunto com outras entidades médicas e de saúde, declarou que “uma vez contaminados pelo coronavírus, os fumantes tendem a ter uma pior evolução do quadro, com mais gravidade e mortes”.

Cuidados com a gravidez

As substâncias tóxicas contidas no cigarro e na sua fumaça podem alcançar a placenta por meio da corrente sanguínea e prejudicar a gestação como um todo. Os problemas relacionados são os seguintes:

  • Parto prematuro
  • Baixo peso do bebê
  • Síndrome da morte súbita
  • Morte fetal

Os benefícios da abstinência vão além da proteção da sua saúde e do bebê durante a gravidez. Filhos de pais que fumam têm maior propensão para a asma no futuro, além de outras doenças.

É sempre tempo de parar?

Sim. As evidências científicas indicam que parar de fumar antes dos 40 anos pode reduzir em 90% as chances de morte pelas doenças relacionadas ao tabaco. E os benefícios dessa iniciativa começam a ser contabilizados já após 20 minutos da cessação, quando a pressão sanguínea e a pulsação voltam ao normal.

Veja o que acontece com seu corpo nas horas seguintes à cessação:

  • Após 2 horas: não há mais nicotina circulando no seu sangue.
  • Após 8 horas: o nível de oxigênio no sangue volta ao normal.
  • Após 12 a 24 horas: há melhora das funções pulmonares.
  • Após 2 dias: você já percebe melhor os odores e sabores.
  • Após 3 semanas: a respiração se torna mais fácil, a circulação melhora.
  • Após 1 ano: o risco de infarto reduz pela metade.
  • Após 10 anos: o risco de infarto é igual ao das pessoas que nunca fumaram; o de câncer de pulmão também é reduzido à metade. A essa altura, a contabilidade também já mostrou os benefícios econômicos da cessação.

Fonte: UOL 10/10/20

Fonte: Flowing