Parece uma ideia bonita: o amor não enxerga, apenas sente. Sim, é bonito se pensarmos no sentido estético da coisa, imaginando que devemos amar alguém por ser simplesmente o que é, e não pela sua aparência ou pelos seus contornos. O problema é que essa frase passou a ser invocada como forma das pessoas justificarem diversos erros no campo afetivo, como se, por conta do amor, elas não soubessem bem o que estavam fazendo.

“Como você pôde se casar com um homem que desprezava o seu trabalho?” Sabe como é, o amor é cego. “Como você se deixou envolver com uma mulher que tratava mal a sua família?” O amor é cego. “Como você, que sempre sonhou em ser pai, foi viver com uma mulher que afirmava categoricamente que não queria ter filhos?” O amor é cego. “Como você pôde namorar com alguém que censurava as roupas que você usava?” O. Amor. É. Cego.

Parece-me que as pessoas frequentemente optam por não pensar em problemas sérios de incompatibilidade nos relacionamentos, resguardando-se atrás da ideia de que o amor justifica tudo. Bem, se estivéssemos falando de um amor utópico, daqueles que permanecem eternamente no campo das ideias e não na aridez do dia a dia, isso até poderia funcionar. Mas para amores concretos, em relacionamentos reais, o amor simplesmente não pode ser cego.

É realmente muito triste quando duas pessoas gostam uma da outra, mas percebem que há incompatibilidade profundas. Esse é um dos rompimentos mais doloridos que existe. Todavia, é muito sensato ter a clareza de que aquela relação não pode funcionar. E aceitar isso é uma das formas mais profundas de respeito ao outro e de preservação do afeto.

Eu sinceramente não sei se o amor supera tudo. Acho que não. Há coisas que o amor não consegue suportar.  E pior: coisas que o amor tenta aguentar até que, de tão ferido, transforma-se em mágoa e em raiva. Não há nada mais triste do que ver o amor converter-se em sentimentos ruins.

Uma mulher independente não vai ser feliz com um homem machista. Um homem bem humorado nunca será feliz com uma mulher pessimista. Pessoas que têm perspectivas completamente diferentes sobre formar uma família dificilmente se darão bem. Pessoas que não respeitam a religião um do outro também não. Assim como ninguém deveria tentar plantar felicidade ao lado de alguém intolerante ou violento.

O amor não pode ser cego porque isso custa caro demais. Pode haver paixão, pode haver atração, pode haver tesão por pessoas em relação às quais somos completamente incompatíveis. Mas o amor precisa de bases para durar. E ninguém constrói casas em areia movediça.

FONTE: Blog Estadão