• 22 maio, 2020

Nosso direito de não estar bem o tempo todo

A religião oficial da modernidade é a felicidade. Parece agradável, um pedido para sorrir é uma exigência extremamente intimidadora. Há uma liberdade que nossa época parece querer nos negar de forma sutil, mas horrível: a liberdade de não estarmos bem.

O psicanalista de crianças Donald Winnicott desenvolveu uma suspeita particular quanto ao tipo de gente que, sempre que vê um bebê, tenta de todo jeito fazê-lo sorrir. Essas pessoas fazem caretas, tentam esconder e mostrar o rosto, balançam o bebê, fazem cócegas nos pés – e só param quando ele finalmente dá algumas risadas. Esse tipo de pessoa animada é diferente de uma pessoa feliz; alguém feliz sorri porque está com vontade, enquanto alguém animado sorri porque é levado a isso, porque há todo tipo de tristeza não processada dentro de si e do qual ele foge correndo. Se essa pessoa parar de rir por um momento, poderá ter de perceber todas as coisas lamentáveis que não conseguiu encarar até então; todas as emoções que não ousou aceitar em si mesma, a raiva de alguém que a decepcionou, a fúria contra algo ou alguém que deveria amar, a culpa pelo erro que cometeu.

Não é natural que alguém permaneça tranquilo por mais de quinze minutos. Sempre há algo com o que se preocupar no horizonte. É por isso que a noção de não ser apenas ocasionalmente muito feliz, mas fundamentalmente alegre no longo prazo é uma possibilidade tão perturbadora, construída sobre uma negação da realidade. Até os bebês têm muito com que se sentir triste.
Eles acabaram de sair do útero, o lugar mais confortável do mundo, estão tendo que descobrir todas as decepções de tentar se alimentar e manter o próprio corpo confortável. Têm muita coisa a aprender e podem até estar recebendo as primeiras intimações da mortalidade. Por que um ser tão complicado desejaria fazer mais do que soltar uma risadinha muito de vez em quando?

Infelizmente, a sociedade moderna é como um gigante animado. Televisão, publicidade, festas, amigos e a mídia conspiram para sugerir que estejamos ótimos, falantes, bem ajustados, otimistas e leves, como se isso fosse o normal. Deveríamos poder reconhecer que a ansiedade nos segue por toda parte; e somos imensamente frágeis, sempre à beira de uma nova constatação. Nunca deveríamos ter de dizer a alguém que “estamos bem”, especialmente agora no meio desta pandemia.

A presunção automática deveria ser a de que, claro, estamos em alguma espécie de crise, seja ela financeira, romântica, de reputação ou existencial, porque é assim que nós, humanos, somos. Deveríamos rejeitar a sugestão dos outdoors de que poderíamos adotar a postura de um ser mais leve e ensolarado. É aceitável estarmos de férias e nos sentirmos péssimos.

Precisamos de uma sociedade pronta para respeitar nossas necessidades individuais. Sabemos, no fundo do coração e às quatro da manhã naquela insônia, como a vida realmente é e todo desespero, ansiedade, agitação e questionamentos que estão por trás das situações. Deveríamos ser mais sensíveis e poder colocar aquele sinal que temos nas portas de hotéis dizendo: “não estou bem, já nos falamos.”  Ou, alternativamente, fazer como as crianças, simplesmente chorar. Acima de tudo, entender que está tudo bem não estar bem o tempo todo.

FONTE: The School of Life

Fonte: Flowing