Eu não queria muita coisa. Quase nada, na verdade. Mas queria, queria muito que você estivesse por perto. E me bastaria o fato de poder dizer
- passa aqui rapidinho
- almoço hoje
- desce que eu tô aqui embaixo
- cerveja daqui meia hora
- acelera que eu tô chegando
Eu não queria que a gente fosse no melhor restaurante, nem que estivesse um dia de sol fantástico. Não teria nenhuma dessas exigências. Pra mim, bastaria que a gente chegasse num boteco qualquer e
- mesa de lata
- cadeira de plástico
- cerveja barata
- guardanapo ruim
- porção de fritas
Não precisaria ser um ambiente acolhedor, nem que nós não tivéssemos hora para voltar. Poderia ser um bar meio sujo, meio ruim. E poderia ser só uma horinha porque você tem
- trabalho para acabar
- sono atrasado
- um prazo vencendo amanhã
- um jantar que já estava marcado
- o aniversário do seu chefe
Eu só queria que a gente se sentasse ali e eu estivesse em casa porque estou com você. E você estivesse em casa por estar comigo. E, por estarmos em casa, poderíamos falar sobre tudo. Sobre
- não ter certeza
- estar cansado
- estar com medo
- querer mandar à merda
- estar arrependido
E aquelas suas palavras tão bem escolhidas acalmariam tudo. E as minhas palavras tão mal escolhidas te fariam rir. E a gente mudaria de assunto e passaria a tratar de temas relevantes como
- Ressaca de catuaba
- o novo sanduíche do Mc
- o namoro da Fatima Bernardes
- exceção ou excessão
- mostarda ou ketchup na batata
E passaríamos de um assunto a outro naquela velocidade tradicional, até já não fazermos ideia do que estávamos falando. Mas não importa. Já teríamos passado por temas como
- reforma previdenciária
- pablo vittar
- ganho de peso
- casamento dos outros
- caneta marca texto
E, como sempre, não chegaríamos a conclusão nenhuma. Sobre nada. Porque o objetivo nunca foi esse. O objetivo era só estar. O objetivo era apenas provar para o mundo que você ainda está por perto. E eu também
- falando bobagem
- entendendo tudo
- dizendo vai em frente
- mandando parar de merda
- pedindo outra rodada
E eu estaria nutrida. De cerveja, de batata e, sobretudo, de você. E você estaria com a mais plena certeza de que eu estou aqui. Tanto quanto você está. Mesmo que seja de longe. Mas hoje eu queria que fosse de perto.
FONTE: Blog Estadão – por Ruth Manus