• 2 outubro, 2023

Depressão, ansiedade e estresse aumentam durante a pandemia

Dado foi apresentado durante evento online com pesquisadores da Fiocruz, que abordaram as necessidades de cuidados com a saúde mental durante o teletrabalho

A mudança brusca de rotina que a pandemia causou na vida e no trabalho das pessoas trouxe impactos também para a saúde mental. É o que mostra um estudo realizado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e publicado pela revista The Lancet. De acordo com o artigo, os casos de depressão aumentaram 90% e o número de pessoas que relataram sintomas como crise de ansiedade e estresse agudo mais que dobrou entre os meses de março e abril deste ano.  

Preocupada com a saúde mental dos colaboradores, a Fiocruz promoveu, nesta quarta-feira (12/8), o evento Diálogos com os trabalhadores da Fiocruz: Saúde mental e trabalho na pandemia. Risco de contaminação, medo de contaminar a família e colegas de trabalho, redução significativa de postos de trabalho e desemprego foram algumas situações citadas pelos especialistas como desencadeadoras de depressão, ansiedade e outros danos psicológicos.

Os problemas de saúde mental no trabalho estão ligados a três pilares: tempo, espaço e condições. A afirmação foi feita pela diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio. Para ela, ao analisar o tempo, percebe-se uma ausência de limites entre trabalho e vida pessoal e o entrecruzamento do trabalho com as atividades domésticas. A psicóloga lembrou que as questões das desigualdades sociais eclodem neste momento quando nos deparamos com a pandemia, em que os espaços físicos foram transferidos para redes comunicacionais como mídias sociais, plataformas virtuais e tecnologias para garantir que essas redes permaneçam.

O terceiro pilar é a condição de trabalho remoto que, para Damásio, tem sido um grande desafio, assim como a retomada das atividades presenciais e a garantia da convivência segura. Ela destacou que é preciso estar atento à regulação social do trabalho, pois pode causar interferências nas redes colaborativas que se formam como caminho de proteção social e funcionam como redes de apoio e contribuem para estratégias dos problemas de saúde mental que surgem.

“Precisamos pensar nos problemas de saúde mental como problema de saúde pública, assim como o luto. Cada categoria profissional é acometida por um conjunto de eventos que depende da natureza do seu trabalho”, disse. A pandemia aumentou a intensidade das atividades de colaboradores das unidades de assistência e reorganizou os espaços de colaboradores da educação, gestão e pesquisa com o teletrabalho e de equipes e espaços de laboratórios, transformou salas de aula em plataformas com a educação remota e emergencial e os espaços de gestão passaram a ocupar todo o espaço das nossas casas – salas, quartos e cozinhas. “Há uma porosidade da membrana que separa a casa do trabalho. Este é um dos eventos que podem trazer consequências para o trabalhador, que acaba sendo integralmente ocupado pelo seu tempo de trabalho, pela quantidade de tarefas, e vive na ausência de sociabilidade. Precisamos reconhecer que as categorias estão expostas a eventos que levam à exaustão e impactam diretamente no modo de levar a vida e na capacidade de dar respostas”, disse.

A pesquisadora mencionou que a OMS (Organização Mundial da Saúde) já aponta aumento dos índices de suicídio, depressão, preocupação, medo, ansiedade, da violência doméstica, fragilidade das redes de proteção e uso abusivo de álcool e outras drogas. “É a constatação de que há uma dor presente em todas essas situações que vêm sendo presenciadas, até mesmo a ausência de sociabilidade”, completou.  

Para Damásio, as ações internas e externas da Fiocruz refletem que o tema é uma prioridade da instituição, a partir da tese 11, que reafirma a saúde como um direito, além do reconhecimento da diversidade e a necessidade de garantir a equidade nos serviços prestados ao público e no cotidiano das ações dos trabalhadores em todas as unidades. De acordo com ela, as pautas foram ampliadas, colocando como premissa básica o cuidado, a convivência segura e ações no enfrentamento à Covid-19.

A psicóloga citou as estratégias de cuidado com os trabalhadores da saúde desenvolvidas pela Fiocruz Brasília, como o suporte aos trabalhadores que atuam na linha de frente do novo coronavírus, as 20 cartilhas de saúde mental com orientações aos trabalhadores sobre como agir em determinados temas e que contou com o trabalho de 145 pesquisadores e técnicos da Fiocruz, as oito edições do programa Conexão Fiocruz Brasília, o teleatendimento psicológico que está sendo organizado com a OPAS/OMS para trabalhadores e população, além do Curso Nacional de Atenção Psicossocial e Saúde Mental na Pandemia covid-19, com mais de 70 mil inscritos.

“É o reconhecimento do coletivo como uma unidade que precisa ser permanentemente ressignificado com a participação dos gestores e trabalhadores para discutir as questões sanitárias, sociais, econômicas e ecológicas. O novo sujeito trabalhador é um sujeito de direito, reflexão e de ação colaborativa. O que é necessário construir para garantir a dignidade no trabalho?”, questionou.

Saúde mental antes da pandemia

A coordenadora de Saúde do Trabalhador da Fiocruz, Sônia Gertner, afirmou que a saúde mental já aparecia em destaque antes da pandemia, e agora o tema eclodiu. “Estamos o tempo todo perguntando como o trabalhador vai lidar com o trabalho e as questões relacionadas ao medo, riscos e aumento de possibilidade de contrair a doença”, afirmou. Para ela, todos estão se reinventando a cada dia, seja na forma de trabalhar ou de lidar com os sentimentos e as situações em casa, são todos aprendizes. Sônia destacou que a pesquisa vem sendo cada vez mais valorizada, e que o momento exige mais atenção às questões que impactam a maior parte do Brasil, especialmente as questões sociais.

Como estávamos antes da pandemia? Este foi o questionamento feito pelo psicólogo Marcello Rezende, do Núcleo de Saúde do Trabalhador (NUST) da Fiocruz. Ele fez o resgate histórico da saúde mental no trabalho antes da pandemia, apontando que a OMS e organismos internacionais já apresentavam, há duas décadas, o crescimento de distúrbios psicológicos, assim como o Fórum Econômico Mundial, que no último ano abordou a solidão, ansiedade e depressão como riscos para a economia.

Para ele, as mudanças começaram com a Revolução Industrial. O contrato de trabalho ficou mais flexível, passamos a viver de forma mais acelerada, o que afetou nossos modos de agir, pensar e nossas experiências cotidianas. “Cada vez mais é valorizado o instantâneo, transitório e a superficialidade. Aliado a isso, principalmente na última década, as mídias sociais na palma da mão têm gerado uma sobrecarga sensorial que dificulta nossa reflexão sobre questões fundamentais da vida”, explicou. Marcello citou ainda a busca incessante da felicidade em ações que muitas vezes nos distanciam dela e das outras pessoas, associando felicidade ao consumo instantâneo.

O psicólogo citou ainda que, nas últimas duas décadas, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) vem chamando atenção para os riscos psicossociais no trabalho, que, em função das mudanças globais e econômicas, tem cada vez mais reduzido os empregos estáveis e aumentado os empregos temporários e informais. Segundo Rezende, a consequência dessa realidade é um trabalho competitivo com diminuição do apoio social e tensões dentro do emprego, dificuldade maior entre o equilíbrio da vida pessoal e o trabalho, e um número grande de afastamentos por saúde mental.  

Para atender as demandas de saúde mental dos colaboradores da instituição, independente do vínculo e incluindo as unidades regionais, a Coordenação de Saúde do Trabalhador (CST) criou uma rede de psicólogos voluntários da equipe, para dar suporte psicológico contínuo para os trabalhadores e familiares durante a pandemia e atendimento psiquiátrico. O pico de atendimentos foi atingido em maio. As principais questões foram as dificuldades com a mudança de rotina e isolamento, além do luto na família. Após cinco meses de distanciamento social, Marcello acredita que o cansaço tem sido o sentimento mais comum neste momento.

“É difícil saber exatamente como o trabalho está afetando nossas vidas agora porque estamos vivenciando uma situação excepcional, com questões pessoais e familiares devido ao isolamento social. É um momento passageiro e não tenho dúvida que não voltaremos ao que éramos antes, no trabalho”, afirmou.

E o depois?

Um nevoeiro ou uma neblina densa e longa no meio da estrada, que se estende mais do que o previsto. Foi assim que a psicóloga do Nust Luciana Cavanellas definiu o momento que estamos enfrentando. “É quando você perde a visão instantaneamente e deixa de enxergar um pouco à frente, mas você precisa continuar. Como agimos? A primeira coisa é testar nossos recursos e usar outros sentidos para ampliar a percepção. Ao mesmo tempo, você se sente conectado com os outros porque todo mundo está vivendo a mesma coisa. Não saber o que vem a frente é muito ruim e angustiante, mas não estamos sós”, descreve. 

Luciana disse que nesses momentos a fronteira individualista é rompida e passamos a nos abrir a algo que afeta a todos. Para ela, o que faz as pessoas continuarem é a confiança de que vai passar. “É hora de abrir olhos, nariz e ouvidos, mesmo que protegidos, e descobrir novos modos de seguir, até porque no modo antigo já estávamos cansados, tristes, medicados e adoecidos. Podíamos nos dizer saudáveis antes da pandemia, como indivíduos e como sociedade?”, questionou. Para ela, este é o momento que precisamos pensar em como queremos no mundo, revalorizando a vida e o trabalho e buscando transformar perdas e dores em mudanças, com novos olhares e construção conjunta.

100 mil mortes

O Brasil atingiu a marca de 100 mil mortes causadas pelo novo coronavírus no último sábado, dia 8 de agosto. Em homenagem e respeito às vítimas da doença, a coordenadora-geral de Gestão de Pessoas (Cogepe), Andrea Carvalho, pediu um minuto de silêncio. “Não podemos minimizar e nem normalizar essas mortes. Cada vida para nós importa. É importante lembrar e fazer uma homenagem, porque esta situação é absurda”, ressaltou.

Fonte: Texto retirado do Blog FioCruz Brasília
Link: https://www.fiocruzbrasilia.fiocruz.br/depressao-ansiedade-e-estresse-aumentam-durante-a-pandemia/

Fonte: Flowing